Vozes-mulheres*
Conceição Evaristo**
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho
revolta no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
*Poemas da recordação e outros movimentos (2008)
** Professora e escritora negra, nasceu no dia 29 de novembro de 1946 em Belo Horizonte, Minas Gerais. Em 1973, mudou-se para o Rio de Janeiro onde iniciou, no curso de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sua trajetória acadêmica que culminou com o doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. É membro da Academia Brasileira de Letras e, em suas obras, há a valorização da cultura negra e a análise do panorama social brasileiro.
Questão para pensar sobre o texto: Que vozes lhe ecoam e lhe sintetizam a “vida-liberdade”?
Parabéns pela iniciativa. Contos, encantos e poesia para tornar mais vivos os nossos dias de quarentena.
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Tatiana, é literatura para nos acolher, afetar-nos e para nos ajudar a recontar a nossa própria história.
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Belíssima iniciativa!
Que gostoso entrar neste cantinho e ver tantas lindezas nestes dias estranhos que estamos vivendo.
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