A DOR, QUE NÃO TEM CURA
Maria Firmina dos Reis*
“O que mais dói na vida não é ver-se
Mal pago um benefício,
Nem ouvir dura voz dos que nos devem
Agradecidos votos.
Nem ter as mãos mordidas pelo ingrato
Que as devera beijar.”
G. Dias
De tudo o que mais dói, de quanto é dor
Que não valem nem prantos, nem gemidos,
São afetos imensos, puros, santos
Desprezados – ou mal compreendidos.
É essa a que mais dói a um’alma nobre.
Que desconhece do interesse a lei;
Rica de extremos, não mendiga afetos,
Que é mais altiva que um potente rei.
É essa a dor, que mais nos dói na vida;
É essa a dor, que dilacera a alma:
É essa a dor, que martiriza, e mata.
Que rouba as crenças, o sossego, a calma.
Não sei, se todos no volver dos anos
Sentem-na funda cruciante, atroz
Como eu a sinto… Oh! é martírio – ou vele,
Ou sonhe, – ou vague mediante a sós.
Eu vi fugir-me como foge a vida
Afeto santo de extremosos pais:
Roubou-mos crua, impiedosa morte,
Sem que a movessem meus doridos ais.
Vi nos espasmos de agonia lenta
Morrer aquele, que eu amei na vida…
Trêmulos lábios soluçando – adeus!
Ouviu-lhe esta alma de aflição transida.
Dores são estas, que renascem vivas
A cada hora – que jamais esquecem;
Enchem de luto da existência o livro,
Conosco à campa silenciosa descem.
Ah! quantas vezes, recordando-as hoje,
Dos roxos olhos se me verte o pranto!
Ah! quantas vezes, dedilhando a lira,
Rebelde o peito, não soluça um canto…
Mas, se essas dores despedaçam a alma,
O pranto em baga nos consola a dor:
Numa outra esfera, num perene gozo,
Vivem, partilham divinal amor.
Mas ah! de quanto nos aflige, e mata
É esta a dor, que mais nos dói sofrer;
Cobrar frieza em recompensa a afetos,
No peito amigo estrebuchar, – morrer!
* Foi uma escritora negra considerada a primeira romancista brasileira. Nasceu no Maranhão, em 11 de março de 1822. Morreu aos 95 anos, no município de Guimarães, MA.
Pergunta para refletir sobre o texto: Qual é a dor que mais te dói?
Parabéns pela iniciativa. Contos, encantos e poesia para tornar mais vivos os nossos dias de quarentena.
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Tatiana, é literatura para nos acolher, afetar-nos e para nos ajudar a recontar a nossa própria história.
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Belíssima iniciativa!
Que gostoso entrar neste cantinho e ver tantas lindezas nestes dias estranhos que estamos vivendo.
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