Não há vagas
Ferreira Gullar*
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
*Escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro. Nasceu em 10 de setembro de 1930 em São Luís do Maranhão e iniciou a sua carreira em 1940, em sua cidade natal. Sua poesia é reconhecida pelo engajamento político e como instrumento de denúncia social. Em 2014, foi eleito imortal da Academia Brasileia de Letras, ocupando a Cadeira de número 37, pertencente anteriormente ao escritor Ivan Junqueira, falecido neste mesmo ano.
Pergunta para refletir sobre o texto: O que não cabe em nosso poema?
Parabéns pela iniciativa. Contos, encantos e poesia para tornar mais vivos os nossos dias de quarentena.
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Tatiana, é literatura para nos acolher, afetar-nos e para nos ajudar a recontar a nossa própria história.
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Belíssima iniciativa!
Que gostoso entrar neste cantinho e ver tantas lindezas nestes dias estranhos que estamos vivendo.
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