Girassóis da última semana de junho ou sobre a desaceleração da vida
No momento em que a covid-19 evidencia que a terra está doente e que nós, seres humanos, também estamos, não seria hora de refletirmos sobre a mudança efetiva do estilo de vida e desacelerarmos? Porém, mais do que nunca, é importante que nos perguntemos: que significado atribuímos ao movimento de desaceleração da vida? Como afirma a pesquisadora e educadora Michelle Prazeres, diferentemente do que se pensa, desacelerar não significa sermos mais devagar, mas, ao contrário, sermos mais humanos; significa nos reencantarmos com o mundo “por meio de pessoas, afeto, delicadeza, generosidade e por redes e movimentos muitas vezes silenciosos e discretos, que costuram tessituras de riqueza alternativa e solidariedade.” Desacelerar para refletirmos sobre a nossa forma de lidar com o tempo, para não naturalizarmos o estar no mundo como seres excessivamente produtivos, neoliberais, que respondem rapidamente a tudo que se encaixe aos interesses econômicos (https://www.cut.org.br/noticias/em-vez-do-combater-a-covid-19-senado-apressa-privatizacao-da-agua-775b https://www.youtube.com/watch?v=7C9Wv5AbrGc ). Ou precisamente, “Desacelerar é se questionar quando a velocidade faz sentido e quando ela não faz e estamos correndo apenas porque é o que se espera [de nós].”(https://www.historiasdecasa.com.br/2020/06/23/slow-living-a-importancia-de-desacelerar-a-vida/ ).
Seguindo com sua reflexão, a pesquisadora argumenta que desaceleração da vida pode ser a saída para a humanidade, pois implica olharmos para nós, para o outro, pôr-se como o outro e se constituir como pessoa a partir desse lugar, com valores e princípios que produzam referências asseguradoras de sentidos e significados que enfatizem e priorizem o cuidado e a preservação da vida na terra (https://www.cut.org.br/noticias/ato-mundial-stop-bolsonaro-tera-manifestacoes-em-mais-de-20-paises-no-domingo-28-40cd ). É olhar para as relações de trabalho favorecendo a possibilidade de nos apropriarmos plenamente e coerentemente do nosso tempo e não apenas do desenvolvimento econômico que tem, historicamente, transformado vidas em mercadoria e acumulação de riquezas (https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53187042 ).
Então, caberiam outras perguntas: como estamos lidando conosco, com o outro, com o trabalho, com o mundo e com a natureza durante a pandemia do novo coronavírus? Paramos? Consentimos tempo a nós e ao outro para vivermos a dor, a perda, o luto provocado por esse fenômeno? Temos buscado saídas viáveis, coerentes, humanas, inclusivas e saudáveis de atuação no trabalho? Ou será que ainda vivemos na ilusão de querermos dar conta de tudo, notadamente, baseados em uma forma predatória de produção, como se tudo estivesse na plena normalidade? (https://www.bbc.com/portuguese/geral-53204453 ).
Lidar com esse impossível, como ressalta a psicanalista Vera Iaconelli, pode levar o trabalhador, em especial, o da educação, ao sofrimento psíquico, como, por exemplo, à depressão e à angústia, uma vez que “Não temos de dar conta de tudo porque algumas coisas não são para se dar conta mesmo” (https://novaescola.org.br/conteudo/19382/nao-temos-de-dar-conta-de-tudo-porque-algumas-coisas-nao-sao-para-se-dar-conta-mesmo ). Assim, precisamos seguir e nos reorganizar para a vida após a pandemia, que, como afirma a psicanalista, será diferente, mas não totalmente diferente. Já não podemos voltar atrás, pois, a vida nos coloca para frente. Contudo, nesse caminhar, pautados no passado, com o olhar no futuro, precisamos, especialmente, aprender a nos apropriarmos de forma coerente de nosso próprio tempo e estarmos atentos para o fato de que, como alerta a psicanalista, “O trabalho em casa responde a uma fantasia neoliberal de produtividade, que a gente sabe que é um risco para todas as profissões. Não tem hora para começar, não tem hora para acabar, não tem hora do almoço, não tem fim de semana, não tem feriado… É aquele pensamento, “já que você está em casa mesmo…” Porém, esse mesmo modo de vida, em geral, nos faz parar (e não necessariamente desacelerar), porque nos adoece e nos provoca mal-estar, inospitalidade, exclusão e desigualdade, objetivando, apenas, passar a boiada (https://www.youtube.com/watch?v=ccOI6QSiMII ).
Um mal-estar nem sempre objetivamente expresso ou facilmente evidenciado, mas que um dia irrompe e se impõe, reduzindo a pessoa a uma única característica ou ato, como se ela não fosse um todo complexo. É isso que reflete o professor de Ensino Médio de Tecnologias para Aprendizagem da Rede Municipal de Ensino de São Paulo – SMESP, Rodrigo Altair Pinho, em um artigo de opinião que reflete sobre as condições de trabalho docente, não publicado e intitulado “O império da moral que obstrui a reflexão e a empatia”, escrito na última semana de junho de 2020, e que questiona sobre o que teria levado um professor de uma Escola Técnica Estadual de São Paulo a se masturbar em frente à câmera do seu computador, quando ministrava uma aula mediatizada pelas tecnologias digitais (https://revistaforum.com.br/brasil/professor-de-escola-estadual-de-sp-se-masturba-durante-aula-online-policia-investiga-o-caso/ ). Assim, depõe: “É certo que alguma coisa não estava bem com este homem…”. E desabafa: “o adoecimento de diversos docentes no exercício da profissão ainda é tratado como um tabu, sendo negligenciado pelo poder público, e até mesmo pelos próprios profissionais de educação acometidos ou não por diversas patologias de ordem psíquica. Por vezes, estes profissionais até se envergonham de tal condição. Este sentimento é revelador de um ideário constituído acerca da figura do professor como ser absoluto”
Embora esse fenômeno evidenciado nas condições do trabalho docente não tenha origem na pandemia do novo coronavírus, como bem pontua o professor Rodrigo Pinho, as más condições desse trabalho parece se acentuar nesse contexto, fazendo trazer à tonas outras questões: nós professores estamos sendo genuinamente ouvidos sobre as decisões tomadas para o enfrentamento das questões impostas à educação, nos diferentes níveis de ensino, pela pandemia? Será que a saída para a educação nesse momento é apenas de cunho instrumental ou também de caráter ético, humano e conceitual? E, retornando à análise do comportamento do professor da Escola Técnica Estadual de São Paulo, o que ele nos sinaliza sobre o nosso modo de estar no mundo e de olhar para si e para o outro? Estamos atentos? (https://revistaforum.com.br/rede/precarizacao-do-trabalho-precario-por-marcelo-uchoa/ ). Afinal, como nos lembra Gilberto Gil, “A fé tá viva e sã/A fé também tá prá morrer/Triste na solidão
Sandra Ataíde
Muito bom!
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