Girassóis terceira semana de julho ou sobre a responsabilidade social dos intelectuais brasileiros na luta pela justiça social
Na nossa persistente defesa da soberania nacional e popular, Estado constitucional e dos interesses públicos, no meio dos avanços do vírus no país, recorremos aqui novamente à magnitude do pensamento de Florestan Fernandes que, juntamente com a voz e intervenção dos povos das florestas, procuram denunciar e reverter a história de desigualdades que marca a formação social da população brasileira. Outra sensibilidade descolonial, de luta e de engajamento social de Florestan, registrada no campo das relações étnico-raciais, onde desenvolveu pesquisas sobre a organização social e a função social da guerra na sociedade Tupinambá, as quais se converteram nos títulos de duas de suas obras, refletindo suas posições teóricas e políticas de defesa e fortalecimento dos direitos dos povos indígenas, evidenciando sua organização política, estrutural e de preservação de território, que salvaguarda e promove vidas em equilíbrio, respeito e conexão com a natureza (https://www.justificando.com/2020/07/15/como-uma-cidade-grega-enfrentou-o-lobby-da-privatizacao-das-aguas/ ).
Não obstante toda a luta de gerações de pesquisadores, lideranças e os povos indígenas, ambientalistas, pelas questões e pautas indígenas, o que estamos vendo hoje no país, com ou sem o degradante cenário pandêmico é, humanamente, inaceitável. Associado a uma forte tendência, local e mundial, à ilicitude, que tenta empreender contenção dos desmatamentos visando apenas evitar possíveis prejuízos dos empresários (https://www.bol.uol.com.br/noticias/2020/07/13/e-muito-triste-estamos-morrendo-diz-cacique-xavante-sobre-acao-da-covid-19-entre-indigenas.htm ).
Buscando ainda historicizar, mesmo que brevemente, a vasta trajetória de ideias e construção do projeto, nacional e popular, de desenvolvimento e justiça social no Brasil, destacamos também a contribuição e atualidade do pensamento social do economista, professor e gestor público Celso Furtado, que se notabilizou, entre tantas outras realizações, pelo seu ideário democrático de desenvolvimento e de integração econômica e educacional. Pela sua singular interpretação acerca da formação social brasileira, pela análise crítica da visão de progresso atrelada à irracionalidade cultural, política e econômica das suas elites regionais e agrárias, considerada por ele como mantenedora da condição social subdesenvolvida e desigual da sociedade brasileira. Uma elite coronelista, colonial e totalmente apartada, alienada politicamente, das necessidades da realidade brasileira (https://www.brasildefato.com.br/2020/07/16/major-olimpio-revela-maior-agonia-da-campanha-de-bolsonaro-participar-dos-debates ). Pela sua participação na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL e pela idealização e fundação, nos anos de 1959, da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. Posturas que marcaram seu pensamento, sempre “em busca de um novo modelo” de desenvolvimento econômico para o Brasil, mais distributivo, mais robusto, centrado nas mudanças estruturais e na superação da recorrente racionalidade de mercado. Lembrando que também estão em curso, desde 2019, as comemorações em torno do seu centenário, celebrado no dia 26 de julho de 2020 (http://www.centrocelsofurtado.org.br/interna.php?ID_M=1912 ).
Em suas reflexões e ações, Furtado cuidou de agregar projeto, plano, planejamento do Estado e fator humano, atento a centralidade das desigualdades sociais e das lutas e reivindicações dos movimentos sociais, como exigência, base nacional, pressuposto histórico, social e econômico, para pensar, construir e outorgar o “Brasil para todos os brasileiros”, tendo como condição uma população formada e informada acerca dos limites e possibilidades dos fundamentos da economia. Em especial, aqueles subjacentes aos discursos e perspectivas governamentais baseadas no mito da universalidade do desenvolvimento econômico, com propensão aos altos níveis de poluição ambiental e de ameaças à sustentabilidade (https://www.youtube.com/watch?v=-7bIiYZE30E ). Reflexões que subsidiaram também sua problematização acerca do capitalismo industrial frente aos problemas e desafios educacionais, priorizando o potencial e o papel da educação na promoção do desenvolvimento nacional e transformação social. Tendo protagonizado também lutas governamentais que mobilizaram, sobretudo, a elaboração de políticas públicas de educação, com suas metas, diretrizes e estratégias, e a aprovação do nosso primeiro Plano Nacional de Educação publicado nos anos de 1962 que, atualmente, está com a sua versão 2014 – 2024, estagnada.
Na trilha do legado intelectual e engajado de Celso Furtado, principalmente, na área da educação brasileira, revigoramos nossas atividades e estratégias acadêmicas de escutar, acolher, estudar, conhecer, ensinar, aprender, pesquisar, produzir, refletir, contextualizar, interrogar, debater, analisar, intervir e pensar os pensamentos e atos através dos quais nos subjetivamos, nos reconstituímos e repactuamos coletivamente nossa cidadania, retomamos um modelo de crescimento econômico solidário e de soberania nacional, salvamos empresas e instituições públicas, com suas redes de proteção socioeconômica, e reinventamos nossa vida agora e após a tragédia do novo coronavirus que ainda assola o Brasil. Afinal, “aos intelectuais cabe-lhes aprofundar a percepção da realidade social para evitar que se alastrem as manchas de irracionalidade que alimentam o aventureirismo político; cabe-lhes projetar luz sobre os desvãos da história onde se ocultamos crimes cometidos pelos que abusam do poder; cabe-lhes auscultar e traduzir as ansiedades e aspirações das forças sociais ainda sem meios próprios de expressão” (https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/07/17/maia-desiste-de-pedido-para-barrar-no-stf-venda-de-refinarias-da-petrobras.htm ).
Deste modo, nesses meados do mês de julho, nos foram ratificados os avanços e desafios que cabem à ciência nesse contexto de pandemia, em especial, à ciência brasileira presentificada, sobretudo, nas instituições de ensino superior e nos centros de pesquisas públicos. No que se referem aos desafios, há a necessidade urgente de se (re)pensar os caminhos da educação da população brasileira, em uma perspectiva intersetorial e de políticas de estado, para se garantir que crianças e jovens não apenas tenham acesso a uma escola pública e de qualidade, mas que permaneçam e concluam o ensino médio, e sigam os estudos.
Quanto ao cenário educacional atual no Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Educação 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada no dia 15 de julho de 2020, demonstrou que 10,1 milhões de jovens de 14 a 29 anos não frequentam a escola ou não concluíram o ensino médio, sendo que deste total 7, 2 milhões são pretos ou pardos. Além disso, foi verificado que o abandono escolar se intensifica a partir dos 15 anos de idade. A evasão escolar por parte da metade dos rapazes foi motivada pela necessidade de trabalhar e entre as jovens, um quarto delas (23,8%) abandonaram a escola porque ficaram grávidas. O que demonstra que a desigualdade na escolaridade da população brasileira ainda é marcada pelas questões sociais, étnicas e de gênero (https://www.pagina3.com.br/educa/2020/jul/15/1/pais-tem-10-1-milhoes-de-jovens-sem-estudar-nem-concluir-ensino-medio-diz-ibge ).
Também foi observado que ao menos seis em dez jovens que concluíram o ensino médio não prosseguiram os estudos no ensino superior. Daqueles que estão matriculados nesse nível de ensino apenas um quarto de estudantes estão matriculados na graduação (26,3%) em instituições de ensino superior pública, revelando que o ensino superior é hegemonicamente privado no Brasil (https://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2020/07/15/seis-em-cada-10-que-concluem-ensino-medio-nao-seguem-estudo-revela-ibge.htm ).
É importante ressaltar que esses resultados revelam uma realidade anterior à pandemia do covid-19 e que, portanto, esse quadro da educação da população brasileira poderá se acentuar, com aumento da evasão, sobretudo, entre as meninas devido às demandas do trabalho doméstico. Assim, é urgente que se pense em políticas públicas de educação que se fundamentem nas necessidades sociais, econômicas e de gênero de crianças e adolescentes, contemplando a condição da família, notadamente, após a pandemia.
Relacionado à retomada da vida escolar no momento de flexibilização para o convívio com o novo coronavírus ou na pós-pandemia, estão as notícias sobre os avanços das pesquisas sobre vacinas para combater a covid-19, as quais estão sendo desenvolvidas por universidades públicas brasileiras em parcerias com universidades estrangeiras (https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/07/15/vacina-contra-covid-19-testada-no-brasil-pode-ter-registro-liberado-em-junho-de-2021-diz-reitora-da-unifesp.ghtml ) e/ou por centros de pesquisa públicos no Brasil https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2020/07/15/covid-19-hc-da-unicamp-tera-500-voluntarios-para-testes-de-vacina-chinesa-contra-coronavirus.ghtml. Essas pesquisas estão em fases avançadas de testagem com resultados promissores e perspectiva de produção em larga escala para, no máximo, meados de 2021. Essa notícia faz florescer a esperança na proteção da vida da população mundial e faz reafirmar o orgulho pelas instituições públicas brasileiras e pelo desenvolvimento da ciência no âmbito nacional.
Keyla Ferreira e Sandra Ataíde
Muito bom!
CurtirCurtir