Giras(sóis)

Girassóis da terceira semana de outubro ou em homenagem ao/à professor/a e à luta por alimentação saudável

No último dia 15 de outubro foi comemorado, no Brasil, o dia do/a professor/a, que foi idealizado por Antoniete de Barros, mulher negra! Mas, há o que comemorar neste contexto de pandemia provocada pelo novo coronavírus? De acordo com a professora Márcia Ângela Aguiar, do CE/UFPE, em entrevista cedida a “Notícias no Campus”, uma produção da ASCOM/UFPE, vivenciar este dia é importante para “reconhecer a dignidade inerente à profissão, pois são professores que lidam no cotidiano com a formação humana dos estudantes, ou seja, em seus processos de ensino e aprendizagem. E contribuem com a formação crítica de cidadãos que busquem a transformação da sociedade atual no sentido da justiça social” (https://www.ufpe.br/agencia/noticias-do-campus/-/asset_publisher/jOtGM8E7iwX0/content/dia-do-professor/2600613).

Além disso, em meio à discussão sobre o retorno às aulas presenciais, fica posta explicita ou implicitamente a relevância da atuação do/a professor/a para favorecer não apenas a construção de conhecimentos, mas para possibilitar o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens na sociedade contemporânea. Deste modo, pode-se concluir, como afirma também a professora Márcia Ângela Aguiar, que “…o professor é insubstituível. Alguns querem reduzir o seu papel no processo formativo à suposta reinvenção e adaptação [mas] o professor transforma conscientemente a sua prática educativa à medida que a sociedade se transforma […] Talvez a principal aprendizagem (com a pandemia) tenha sido a de compreender a necessidade de existência de políticas públicas efetivas que garantam condições dignas de vida das famílias dos estudantes, bem como as condições que garantam aos profissionais, aos professores, a formação continuada, planos de carreira e salários dignos”. Portanto, talvez, a comemoração, especialmente neste contexto de pandemia, se expresse em forma de luta por uma sociedade mais justa e humana, que paute, dentre outras questões, a valorização do professor.

Mas falar de valorização de professores, é também falar da valorização da educação, como enfatizou o ex-ministro da Educação e presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, em entrevista à TV 247 realizada no dia 15 de outubro. Assim, ele nos relembrou da prioridade e centralidade da educação nos governos Lula e Dilma, destacando as ações realizadas nesse período para garantir o “Brasil: pátria educadora”, a saber: “conceber a educação como um todo sistêmico (da educação infantil ao pós-doutorado), o aumento de recursos para a área com crescimento de 207% acima da inflação, o apoio à educação infantil, especialmente ao processo e alfabetização, a criação dos Institutos Tecnológicos Federais e a ampliação da rede federal de educação superior”, bem como “programas como o Pronatec, o Ciência Sem Fronteiras, o novo Enem, o Plano Nacional da Educação, a aprovação da Lei de Cotas e os royalties do petróleo para a educação.” (https://fpabramo.org.br/2020/10/15/mercadante-exalta-paulo-freire-e-valorizacao-docente/).

Deste modo, frequentemente nos questionamos: será possível mantermos o que já foi conquistado? Como resistir às forças contrárias às conquistas em defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade? Seja como for, talvez, possamos no inspirar na personagem da obra “O paraíso são os outros”, de Valter Hugo Mãe, quando poeticamente afirma que “Tarde é a metade do meio dos dias” para nos sinalizar que nunca é tarde para (re)começar.

E, hoje, mais do que nunca é preciso começar de novo para enfrentar o risco de desescolarização imposto pela pandemia do novo coronavírus, conforme discussão apresentada em relatório desenvolvido pela UNESCO (https://www.rfi.fr/fr/%C3%A9conomie/20201017-une-urgence-%C3%A9ducative-mondiale-lunicef-et-lunesco-tirent-la-sonnette-dalarme). De acordo com essa Organização, dos quase 1,6 bilhões de crianças, adolescentes e jovens que ficaram privados da educação escolar formal, em 190 países, há o risco de muitos não mais retornarem à escola, destacando, por sua vez, as relações entre descolarização e pobreza. Além disso, as meninas, adolescente e jovens são as mais atingidas, tendo 2,5 vezes mais chances que os meninos de ficarem fora da escola, pois pertencem a uma população mais vulnerável em caso de crises.

Como enfatiza Julien Beauhaire, porta-voz da ONG Plan International, especializada na proteção da infância e, em particular, das meninas, essa situação não se limita aos países mais pobres, pois a pandemia da covid-19 atingiu a todos sem distinção. Segundo os dados de uma coleta de testemunhos lançada por esta ONG no mês de setembro deste ano, 7.000 adolescentes e jovens de 15 a 24 anos, de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, testemunharam ansiedade quanto ao seu futuro e à continuidade de seus estudos (https://www.plan-international.fr/anxiete-troubles-psychiques-et-crainte-de-ne-plus-pouvoir-retourner-lecole-les-consequences). Portanto, como afirma Paulo Freire, nos movemos como educadores, porque, primeiro, nos movemos como gente. E como canta Caetano Veloso, “Gente é muito bom/Gente deve ser o bom… Gente quer comer/Gente quer ser feliz/Gente quer respirar ar pelo nariz… Gente é pra brilhar/Não pra morrer de fome (https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/44729/). Que o dia do professor nos lembre mais do que nunca que somos gente e que atuamos para possibilitar que o “bicho de mulher” se transforme em gente e voe no pensamento-afeto!

Também no último dia 16 de outubro foi celebrado o dia mundial da alimentação e homenageamos aqui a Educação do campo, o Coletivo Nacional de Educação do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, e suas respectivas educadoras, a exemplo do Lute como Sem Terrinha: em movimento, cultivando a vida, com sua noção de educação e formação integral das crianças sem terrinha, centrada no passado, presente e futuro do cultivo da vida, do amor, do respeito, do cuidado e da conservação da terra, da natureza e dos seus ancestrais, onde comer é significado como ato político de Bem Viver consigo, com os outros, com o mundo.  Portanto, a educação, e suas práticas pedagógicas, não se fundamentam na perspectiva de formação do povo da mercadoria, da indiferença, do lucro, da insustentabilidade planetária. “Sou uma sem terrinha, neta de assentado e hoje eu poderia contar uma história do Curupira ou do Saci. Mas não. Hoje eu vou contar a história do meu falecido Vô Bastião. Há 30 anos, quando ele veio trabalhar para cá, ele plantou essas árvores. Ele sempre gostou do plantio, adorava plantio, e nunca gostou que machucassem a natureza. Por isso, depois que ele morreu, minha vó não deixa ninguém chegar perto destas árvores para cortar. Agora virou um ponto de encontro para todo mundo, pessoas vem conversar aqui no banco, nas sombras que as árvores fazem. Por isso, quando eu olho para ela, é uma lembrança viva do meu Vô Bastião, porque eu tenho muito poucas lembranças dele, e essa é uma lembrança minha. Por isso, não machuque a natureza. Essa é uma história de Sem Terrinha, para os Sem Terrinha” (https://mst.org.br/2020/10/12/lute-como-sem-terrinha-em-movimento-cultivando-a-vida/ https://mst.org.br/2020/10/08/do-livro-as-telas-mostra-cinema-na-terra-lanca-ficcao-um-fantasma-ronda-o-acampamento/). Falou a menina Sofia, habitante de um dos assentamentos sem terra de São Paulo, por ocasião da Jornada e Assembleia Nacional Sem Terrinha, registrada também na Conferência “Reflexões sobre o Brasil em tempos de pandemia”, promovida pelo MST, como celebração ao dia mundial da alimentação (https://www.youtube.com/watch?v=fqnmIL8uIMs). A conferência refletiu e debateu temas como a derrubada do pretenso marco temporal, o fechamento, em janeiro de 2019, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a função social da Reforma Agrária Popular e da produção de alimentos saudáveis, a Soberania Alimentar, políticas públicas como direito constitucional dos povos, a Alimentação Sustentável de base Agroecológica, a agricultura familiar, Programa Café com MST, a Comunicação Popular via rádio e internet, a gravidade da insegurança e da crise alimentar e nutricional no Brasil. Como também, o Programa Emergencial de enfrentamento ao novo coronavírus em Pernambuco, como Mãos Solidárias, Agente Popular de Saúde, defendendo e fortalecendo o funcionamento do Sistema Único de Saúde, Rede de Bancos Populares de Alimentos, com mais de 21 bancos na região metropolitana de Recife, articulando toda a sociedade e estabelecendo a permanência desses programas no pós-pandemia para lutar pela democracia, soberania alimentar e combater à fome, à contaminação da terra e dos alimentos com agrotóxico, às injustiças, exclusões e desigualdades. (https://www.youtube.com/watch?v=QfmyRaIkkJU), assim como, o possível retorno do Brasil ao Mapa da fome. Com mobilização nacional, a conferência contou com a participação de militantes do MST de todo o país, da Via Campesina, de Jaime Amorim, da diretoria Nacional, de Paulo Mansan, da diretoria de Pernambuco, de João Pedro Stédile, fundador e membro da diretoria do ex-presidente Lula, de Ademar Ludwig, coordenador da Rede Armazém do Campo, de Maria Emília, da formação do CONSEA e do Fórum Brasileiro de Soberania Alimentar, de José Graziano da Silva, ex-diretor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), entre outros participantes.

Ao longo da fala de Graziano, destacamos alguns pontos que consideramos urgentes e emergentes para a soberania alimentar, e que se articularam com os conteúdos e inferências das demais apresentações da conferência. Trata-se da redução dos custos revogando, principalmente, a lei Kandir, que não cobra impostos dos produtos exportados, da solicitação de isenção de imposto dos produtos da agricultura familiar, em particular, aqueles de proximidade (produção local), do devido investimento em pesquisa e extensão das práticas agroecológicas, orientando a estrutura, distribuição e funcionamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (EMBRAPA) para a produção da alimentação saudável do MST, entre outras mudanças, desafios e possibilidades de operar a serviço do, para e com o Brasil. Concluímos esse girassol nessa mesma trilha, associada também ao Manifesto Popular do dia 16 de outubro de 2020 que, revivendo toda a problematização da fome no Brasil pavimentada pelo nosso Josué de Castro no livro clássico Geografia da fome e na sua atuação na FAO, nos inquieta e nos convoca para a criação de novas e sustentáveis sociabilidades: “Metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme, com medo da que não come” (https://www.abrasco.org.br/site/noticias/dia-mundial-da-alimentacao-manifesto-popular-contra-a-fome-sera-lancado-em-ato/53236/).

Keyla Ferreira e Sandra Ataíde

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