Girassóis da segunda semana de agosto ou de defesa à vida
A experiência de viver o contexto de pandemia do novo coronavírus, com todas as consequências sociais, sanitárias, políticas, econômicas, educacionais e humanitárias nefastas que ela provoca, parece ainda não ser suficiente para nos ensinar que não “estamos completamente seguros, protegidos e no controle de tudo que nos rodeia” e mesmo que, “Há algo em aceitar a transitoriedade da existência que [nos] liberta…”, como disse a cosmóloga Katie Mack, em entrevista à BBC, ao falar de seu livro “O fim de tudo” (https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/e-libertador-saber-como-o-universo-vai-acabar-diz-astronoma,cad95e18be491c3e3d346be9df79ab08fo1itppa.html ). É, então, nesse contexto que também somos surpreendidas com a notícia das mortes do cacique Aritana Yawalapiti aos 71 anos, por covid-19, liderança indígena no alto Xingu e de Dom Pedro Casaldáliga, bispo que dedicou a sua vida na defesa das populações indígenas, trabalhadores do campo e nos acordes democráticos da teologia da libertação e reforma agrária no Brasil (https://www.youtube.com/watch?v=y02iuBVOxlY https://www.brasildefato.com.br/2020/08/08/morre-dom-pedro-casaldaliga-bispo-que-dedicou-a-vida-em-defesa-do-povo-brasileiro ), com um incêndio na ala de cuidado intensivo de um hospital particular de Ahmedabad, no oeste da Índia, que provocou a morte de 8 pacientes de covid-19, depois que o equipamento de proteção de um dos funcionários pegou fogo (https://www.terra.com.br/noticias/mundo/incendio-em-hospital-da-india-mata-8-pacientes-de-covid-19,f81c425c73484dc8aa4acc739004e751jtvosy9k.html ) Ou ainda, quando assistimos atônitos à explosão ocorrida em Beirute e ouvimos, em seguida, o silêncio ensurdecedor da devastação que revela a fragilidade e vulnerabilidade humana (https://www.terra.com.br/noticias/mundo/explosao-em-beirute-9-momentos-historicos-em-que-o-nitrato-de-amonio-causou-tragedia,05da173863201487f86ce65ce8c24d42qlislzbv.html https://maragogi.7segundos.com.br/noticias/2020/08/08/156341-libaneses-protestam-e-exigem-respostas-sobre-explosoes ). Portanto, o que esse contexto mundial nos sinaliza sobre o que ainda precisamos aprender? Será que são apenas pistas que nos são dadas à interpretação ou existe a concretude dos fatos?
É nesse cenário, também, que presenciamos a “corrida” de diferentes países pela vacina contra a covid-19, apesar de, como advertiu o Diretor-Geral da OMS, a “bala de prata [não existe] no momento e talvez nunca exista”, já que, embora os estudos que estão na última fase de testes da vacina ofereçam imunização, pode ser que nenhuma ofereça uma proteção esperada ou mesmo uma proteção passageira para conter a doença (https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude/oms-diz-que-talvez-nunca-exista-uma-vacina-contra-covid-19,447b641d5849e64afb08b7cfe77ae207sybgjflq.html ). Deste modo, novamente, a Organização reforça a adoção de medidas já disponíveis e conhecidas no combate à covid-19 no sentido de “que [os] países façam a identificação dos casos, rastreamento de contatos e isolamento de quem está infectado [e] recomenda o distanciamento social, a higienização das mãos com constância, o uso de máscaras onde apropriado e cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir” às pessoas individualmente. Ou seja, somos também eticamente responsáveis pela garantia da própria saúde e da saúde dos demais, apesar de reconhecer que nem todos têm acesso aos dispositivos mínimos de higiene e proteção (https://www.metro1.com.br/noticias/cidade/95652,vazamento-deixa-partes-de-seis-bairros-de-salvador-sem-agua )
Então, cabe a pergunta: é hora de retornar às aulas presenciais? Será que estamos realmente compreendendo o significado das “narrativas” em curso sobre a estabilização dos casos e de uma possível queda do número de pessoas contaminadas e de óbitos por covid-19? É acertado responsabilizar a família pela tomada da decisão de retorno da criança ou jovem às aulas presenciais sem a participação do Estado nesse processo? Pesquisa realizada pelo Ibope e divulgada pela Rede Nossa São Paulo revela que 60% dos respondentes deste Estado são contra o retorno às aulas presenciais, enquanto apenas 26% é a favor e 11% não tem opinião formada sobre o tema. O principal argumento dos respondentes que são contra essa decisão é de que não vale apenas colocar a saúde de estudantes e profissionais da educação em risco (61%) e, consequentemente, a saúde das famílias (https://noticias.r7.com/educacao/pesquisa-aponta-que-63-sao-contra-retorno-as-aulas-presenciais-06082020 ). Aliado a essas questões, que para nós têm sentidos e significados éticos, foi o cenário de incertezas sobre o Decreto do Prefeito do Rio de Janeiro, uma disputa jurídica, uma greve de professores e as interrogações de pais e responsáveis pelas escolas particulares que fizeram essas escolas não reabrirem no mês de agosto, apesar do Sindicato das Escolas Particulares do Rio (Sinepe-Rio) se posicionar a favor do retorno às aulas presenciais (https://www.terra.com.br/noticias/educacao/mesmo-com-abertura-autorizada-maioria-das-escolas-do-rio-fica-fechada,b07d66fd8b136c73cc8fa9d3f3880a08tpnxluee.html ). Então, cabe mais uma pergunta: vivenciamos um dilema ético entre garantir o direito à educação de crianças e jovens, e garantir o direito à vida?
Por isso, ressaltamos que é necessário decidir, mesmo que tardiamente, se abandonaremos definitivamente a vida da espécie humana e do planeta, normalizando ainda mais o descontrole da pandemia e o discurso de corrupção e moralidade, negando a evidência da tragédia do Brasil de 100 mil mortes por covid-19, ou se defenderemos a vida (https://www.youtube.com/watch?v=r-NIEAQUOX0 ). Segundo os cientistas, e como argumentou o neurocientista Miguel Nicolelis, numa aula virtual pela UFPE, no último dia 07 de agosto, a contaminação e as mortes pelo novo coronavírus continuam sem controle e agora a “curva é linear e não para de crescer”, o que é bem mais devastador (https://www.ufpe.br/covid-19/ascom/-/asset_publisher/hdBGtsdgB5Ee/content/seminario-on-line-do-lika-ufpe-vai-ter-apresentacao-de-miguel-nicolelis-e-patty-kostkova/40615 ).
Porém, as narrativas do mercado financeiro e do jornalismo corporativo, esse “show de horrores”, manipulação política e desinformação, que submete diariamente a população, seguem destruindo vidas e a natureza, torturando os sobreviventes da covid-19 com suas inescrupulosas e aterrorizantes abstrações de lucro, de quebra do isolamento social e de retorno das aulas e atividades presenciais nas escolas e faculdades brasileiras. Inclusive, e para nos engolfar ainda mais, se apropriando e vociferando as pautas históricas dos movimentos sociais concernentes ao direito constitucional à educação de crianças e jovens brasileiros, entre outras agendas de luta e reinvindicação popular (https://www.pragmatismopolitico.com.br/2020/08/juiza-reabertura-escolas-df.html https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/08/07/corregedor-da-justica-do-trabalho-abre-pedido-para-analisar-atuacao-da-juiza-que-liberou-aulas-presenciais-no-df.ghtml ).
Estamos profundamente tristes com o Brasil de mais de 100 mil mortos. Nossa alma chora e se entrelaça com a dor dilacerante dessa realidade brasileira, orientada pela ignorância, ausência de empatia e pela Aporofobia. Este último termo criado pela filósofa espanhola Adela Cortina para designar o medo, o caráter e o comportamento antiéticos que nutre e destila rechaço, aversão, às pessoas pobres. Assim, é preciso e fundamental permanecermos em isolamento social, cuidando das medidas de proteção e do nosso amor pela vida, fortalecendo o nosso espírito com sentimentos coletivos de igualdade, esperança, força, solidariedade e propósito de reconstituição da nossa existência no mundo, refundando o país pela ingerência de uma nova economia e do Estado democrático de direito que cuide e promova vida no Brasil (https://www.metro1.com.br/noticias/cidade/94354,economista-avalia-impactos-da-pandemia-e-propoe-repensar-papel-do-estado-na-sociedade ).
Sandra Ataíde e Keyla Ferreira
Muito bom!
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