Giras(sóis)

Girassóis da primeira semana de setembro ou do jogo da potência da vida

“A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação”. Foi com esse argumento que Theodor Adorno, filósofo, sociólogo da primeira geração da Escola de Frankfurt (1924), iniciou seu ensaio intitulado Educação após Auschwitz, onde ele, além de apresentar um conjunto de exigências, sugestões, tarefas, para refundar a sociedade e a educação após as atrocidades do holocausto, pensou as bases, as orientações, para reconstruir o pensamento, a cultura e a educação na Alemanha no pós-guerra, resguardando-as das alienações acerca das reais condições de vida, da institucionalização dos processos de irracionalismo e massificação, das monstruosidades e da barbárie, típicas do regime e do caráter manipulador da personalidade autoritária. Assim como, da educação cultural centrada no capital financeiro que marcou a lógica estabelecida pelas relações sociais que caracterizaram o comportamento extrativista, cruel, da burguesia industrial e da sociedade capitalista da sua época (https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4179825/mod_resource/content/1/EDUCA%C3%87%C3%83O%20E%20EMANCIPA%C3%87%C3%83O.pdf ).

Classicamente conhecido como um pensador da Teoria Crítica da Sociedade, a atualidade das reflexões de Adorno, juntamente com Max Horkheimer, entre outros expoentes da Escola de Frankfurt, se traduz nas preocupações, exigências e no destaque do papel, significado e metas da Razão crítica, da “educação dirigidas a uma auto-reflexão crítica”, para que a regressão à barbárie, materializada nos campos de concentração, não se repita. Ao contrário, fiquem gravada na memória coletiva das pessoas, uma vez que a sociedade industrial tende a se organizar a partir do “véu tecnológico”, centrada nos interesses, princípios e imperativos culturais e financeiros burgueses que, para eles, “foram responsáveis pela morte de milhões de pessoas inocentes… assassinadas de uma maneira planejada. Isso não pode ser minimizado por nenhuma pessoa viva como sendo um fenômeno superficial”.

Para tanto, Adorno insistiu nos processos de formação cultural das pessoas visando sua emancipação política da Ideologia Alemã e, como resultado, a mudança da estrutura social. Conceitos como Indústria cultural (massificação de produtos culturais, consumo, entretenimento), Razão instrumental (domínio e exploração, inclusive, da natureza), Cultura de massa e semiformação (determinismo da cultura capitalista contemporânea), entre outros conceitos, foram desenvolvidos por eles e com expressivo recorte crítico para explicar como os interesses do lucro financeiro da burguesia produzem e reproduzem a coisificação da consciência do sujeito na contemporaneidade. Isto é, a sujeição, alienação e deformação da consciência das pessoas, produzindo barbáries nas sociedades capitalistas. E para refletir os modos através dos quais esses interesses operam no interior dos meios de comunicação, da escola e da formação acadêmica, fazendo-nos, por um lado, permanecer na cegueira da semiformação. Por outro lado, desistir da capacidade humana de discernir, de pensar e de agir racionalmente, banalizando, sobretudo, o conhecimento, o sofrimento humano, a vida das pessoas e do planeta (https://br.sputniknews.com/europa/2020083016011324-berlim-protesto-contra-medidas-sanitarias-termina-com-131-detidos-e-33-policiais-feridos/ ).

Desse modo, a quem interessa a produção ideológica do inimigo interno que precisa, urgentemente, ser eliminado para o “jogo” do mercado prevalecer? O que move a cultura burguesa como instrumento de produção, reprodução e contradição da indústria cultural que, em um só tempo, oprime, reproduz e põe em colapso as forças, trabalhadoras e trabalhadores, que sustentam a vida econômica? A quem interessa operar mudanças nos direitos sociais e no mundo do trabalho, determinar os conteúdos dos meios de comunicação e destruir a natureza? Aos grandes grupos empresariais, com sua ênfase no incentivo ao consumo, extrativismo, padronização e propaganda de mercadorias, produção em série de narrativas enganosas, de inverdades, de desinformações que asseguram seus lucros. Através dessa deformação e massificação dos conteúdos, formas e programação da indústria cultural, o formato e a distribuição de toda essa desinformação tem endereço certo: atender aos interesses e objetivos econômicos e manter os bens culturais das grandes empresas ao alcance do conjunto da população, massificando a cultura capitalista na mente e emoção das pessoas e do mundo todo, independente dos impactos e monstruosidades que possam vir a ser cometidas para sedimentar suas intenções (https://jornal.fmrp.usp.br/campanha-de-desinformacao-sobre-vacina-contra-covid-avanca-com-testes-no-brasil/   http://www.iea.usp.br/noticias/posicionamento-da-presidencia-sobre-obrigatoriedade-de-vacinas-repercute-intensamente-em-grupos-antivacina ).

A atualidade da reflexão adorniana revela a importância e emergência do combate às fake news, campanhas de desinformação e pobreza jornalística distribuídas e que atravessam a todos no momento presente. Pois, segundo o grupo ativista Avaaz, as mensagens das redes sociais com maiores indicadores de acesso e visualização correspondem às informações falsas, narrativas mentirosas e injurias sobre pessoas, instituições e coisas, creditando todo esse empreendimento ao fato das plataformas lucrarem financeiramente com tudo isso, acumulando mais e mais riqueza e derrubando democracias (https://www.youtube.com/watch?v=pgRNEPrCpBw ).

Assim, e no que se refere à vacina contra covid-19, a quem pode interessar as notícias falsas? Quais os jogos econômicos e políticos que se estabelecem nesse cenário de vulnerabilidade da população? Acima de tudo, quando o tema é a vacina contra o novo coronavírus, a quem interessa fazer pensar que desobrigar crianças, jovens, adultos e idosos brasileiros a se vacinar é fazê-los gozar de liberdade de escolha? E se isso implica liberdade, não implicaria também a responsabilidade com a própria vida e a vida dos concidadãos? (https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/governo-tem-poder-para-impor-vacina-stf-discute-tema,c389c2ca6a0504121b9d12442d49a7ddsjq1ho0t.html ).

Esse tema é ainda mais delicado quando se pensa as crianças e jovens concebidos, segundo o Estatuto da Criança e da Adolescência (ECA, 1990), como sujeitos de direito, ou seja, àqueles a quem os direitos são garantidos por lei, incluindo o direito à proteção física, psicológica, moral e social, sendo a vacinação um dos componentes de garantia dessa proteção integral (https://www.metropoles.com/saude/medica-rebate-bolsonaro-tomar-vacina-nao-e-decisao-pessoal-e-coletiva ). Ademais, dentre todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e que devem ser garantidos às crianças e aos adolescentes pela família, comunidade, sociedade e poder público, destaca-se aqui o direito à educação e à escola, que no contexto de pandemia precisa ser, mais do que nunca, garantido em confluência com o direito à saúde e, mais estritamente, à vida. Deste modo, mais uma pergunta se faz necessária: como garantir o retorno às aulas presenciais sem garantir o direito individual e o dever do Estado no que se refere à vacinação da população, notadamente, crianças e jovens?

O pensamento e o atual movimento antivacina, além de trazer consequências econômicas, sociais e de sobrecarga do sistema de saúde, nesse contexto de pandemia da covid-19, traz consequências para a saúde de docentes e, se a população escolar não for suficientemente imunizada, não será possível a manutenção das atividades escolares devido à baixa do quadro dos profissionais da educação. Em um cenário que ainda não existe vacina contra a covid-19, isso já é identificado no Estado do Amazonas que registrou, na primeira semana de retorno às aulas, 24 casos de professores infectados em uma única escola da rede estadual, apesar do cumprimento às medidas de seguranças estabelecidas (https://jornalonorte.com.br/aumento-de-casos-de-covid-19-faz-professores-protestarem-em-manaus-am/). E esse é um cenário que ainda perdurará, pois a produção de vacina contra a covid-19 que responda aos critérios de eficácia e segurança exigidas, segundo anunciou a OMS, ainda retardará até medos de 2021 (https://www.terra.com.br/noticias/mundo/oms-nao-espera-vacinacao-ampla-antes-de-meados-de-2021,69c03af3f31d235398e6593ed046b0c3xe9mb14x.html ). Então, ressurge a questão: a quem interessa jogar os jogos de inverdades da desinformação/deformação? Mas, por outro lado, outra pergunta é possível: como inventar um novo jogo que tem como regra a valorização da vida?

Keyla Ferreira e Sandra Ataíde

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