EntreLAÇadOS


Eu, particularmente, amo ter uma rotina agitada, metas a serem cumpridas, objetivos diários a serem alcançados etc. Tenho elaborado coisas desse tipo diariamente e aproveitado para preencher a minha mente com essa expectativa de futuro: o cumprimento das minhas metas de hoje, e é só até aí que me permito ansiar, receber o resultado de cada dia. O meu início de quarentena foi usado para colocar pendências em dia, ou simplesmente achar tempo para procrastinar mais um pouco. Quem diria que nossas mentes estariam tão congestionadas quando as ruas estão vazias.

Nos primeiros dias de isolamento social, o distanciamento se parecia tão temporário, instável. Algo que nos renderia mais uma tonelada de memes circulando pela internet e o cumprimentar as pessoas batendo os cotovelos, e por um tempo foi assim. De repente, o tempo livre que parecia ser tão necessário em tempos agitados, se pareceu inútil, as notícias eram as mesmas, as paredes, prisões. As redes sociais que costumávamos usar no tempo livre escasso como forma de distração das nossas reais preocupações e ansiedades, passaram a ser os principais combustíveis dos nossos medos em relação ao futuro da sociedade, mas também, o nosso de forma individual. Sinto um pouco a sensação de que parte de mim está me provando o quanto certas coisas que mantenho na minha rotina normal, são desnecessárias e o quanto certas coisas são necessárias e devem ser incluídas na minha rotina a partir de agora, permanentemente com urgência. Sinto muita urgência em resolver meus problemas internos que o tempo sempre foi culpado por eu não resolver. Eu não perdi nenhum parente até o momento, nem ninguém que amo, ainda bem. Tenho consciência de que na verdade muitas vidas estão sendo perdidas e muita coisa está acontecendo ao nosso redor, mas simplesmente pensar na quantidade de coisas que não tenho poder nenhum para interferir, me traz uma sensação de sufocamento que prefiro evitar.

Mas, por todas as vidas que não puderam ser salvas daquilo que nos assola hoje, em nome de todas elas, gostaria de investir tempo fazendo aquilo que poderia tornar o mundo um lugar melhor, contribuir para que eu mesma e as poucas pessoas que tenho contato, nos tornássemos mais empáticos, preocupados com o “estar” e não “aparentar” das pessoas. Mesmo que pra tornar nossa realidade melhor, a única coisa que a minha sanidade me permita fazer for me tornar o tipo de pessoa que eu gostaria que existisse mais no mundo, é nisso que vou investir, por ser algo muito mais além do que eu mesma.

Ghyovanna Brandão

Estudante de Jornalismo, UNIBRA

7 comentários em “EntreLAÇadOS

  1. Vou postar aqui mesmo. Depois, eu posso esquecer. É algo que me tem ocorrido com mais frequência: esquecimentos. Eu talvez penda mais para o psicológico nesse relato, porque sou psicólogo, talvez. Então esqueci de cancelar assinatura do Telecine Play (eu assinei só pra ver Bacurau de graça, e esqueci de cancelar depois), esqueci de pagar internet, água, esqueci datas de aniversários importantes (tipo, que eu lembrava tão bem como a minha… e eu não tenho certeza ainda se lembrei. Lembrei nada…), números de telefones importantes estão parecendo aos poucos incertos, estranhos. Eu estou achando isso bem interessante e agradável. Eu acabei de esquecer o nome de Manuel de Barros, um dos poetas que mais gosto. Há uma lista grande de esquecimentos que pararei por aqui. Minha esposa e filha estão usando com muita frequência um tal de TikTok (acho que é isso mesmo) e isso de certo modo as alegra bastante. Eu tenho estudado o idioma italiano e tenho mexido com música e com argila. E tenho estudado psicologia, coisas do doutorado, principalmente. E tenho feito novas receitas. E tenho dado aulas de inglês às duas moças. Muito interessante experiência tem sido esta, por sinal. Estou mais caridoso, mais bonachão, eu acho. Muito preocupado fico em pegar o vírus, não saio de casa, quase. Raramente eu saio, pra comprar comida. Tem sido uma experiência até pessoalmente interessante. Meus sonhos (sonho de dormindo mesmo, mundo onírico) estão mais longos e ricos e, curiosamente, ‘recordáveis’. Gosto que veio aqui outro dia uma borboleta. Estou há seis anos no Recife e nunca tinha visto isso. Meu gato outro dia comeu um passarinho. Nunca mais tinha visto essa cena, de gato com passarinho na boca. Amanheço no quintal e vem às vezes um beija flor beber água numa garrafinha que coloquei para eles. Veio uma manhã um bem-te-vi enorme, amarelão, lindo. A arte tem mostrado mais o que é, para mim. É, ou ao menos parece ser, uma condição humana. Como a água sabe, ou o cálcio. Sem arte, sem ser artístico, a gente morre, eu acho hoje. Comecei Yoga mas não gostei. Não sei se foi a tutora vaidosa ou a série de posições. Chato, achei (que namasté o quê!). Mas tem gosto pra tudo. A quarentena deixou mais fácil lavar a louça. Até varrer. O Brasil está essa loucura até um pouco assustadora. Evito pensar nos desdobramentos próximos. Espero que a gente resista e lute sempre. Amo muito o Brasil e o povo brasileiro e nordestino, principalmente. Acho que estamos muito doentinhos. Uma pena. Morreram pessoas tão boas, como o Aldir Blanc. O Brennand, uma pediatra amiga de mainha, um rapaz trabalhador (que trabalhava muito) aqui do bairro, aquele ator, Migliaccio, por esses dias. O Moraes, rapaz… Só gente boa, morrendo. Eu acho curioso esse movimento. Bem, espero ter ajudado. Acho que tenho sido um bom confinado. Tenho lidado bem com isso. Eu recomendo a todos, principalmente aos que estão se atrapalhando nesse momento; arte. Arte e churrasco e despreocupação e esquecimentos têm me feito muito bem. O celular nesse contexto atual, para mim, ficou mais fraco. Mas talvez funcione bem para passar um trote inofensivo.
    Se cuidem tod@s. Alegria, ânimo e coragem.

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  2. Que lindeza de texto!! tão profundo e tão adequado aos nossos tempos!! Gratidão pela concessão do maravilhoso texto, Newton Moreno.

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